PARECER SOBRE A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1.030,§2º, DO CPC/2015 E CONSEQUENTEMENTE DO ART. 1021 DO MESMO DIPLOMA LEGAL RETRO CITADO, APRESENTADO A COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO PROCESSUAL E ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA DA OAB/ES.
Insta salientar de plano que, este parecer tem a finalidade de demonstrar a inconstitucionalidade do art. 1.030,§2º, do CPC/2015. Com efeito, devemos inicialmente analisar alguns institutos de direito constitucional e de direito processual civil que será explanado abaixo.
De plano, para dar um norte, tem que ser dito que todo poder é emanado do povo, mas é exercido através dos poderes legislativo, executivo e do judiciário, isto é, o poder é uno, mas seu exercício é dividido em três – Preâmbulo e arts. 1º e 2º, da CF/88.
Inicialmente exporemos pensamentos sobre os institutos da jurisdição, competência e do juiz natural. Começando pela jurisdição, esta é a emanação do poder judiciário, pois como função estatal tem o dever de prevenir e compor os conflitos, aplicando o direito/lei, ao caso concreto, resguardando a ordem jurídica e a paz social.
Vejamos o que o renomado doutrinador e amigo Pedro Lenza diz sobre jurisdição:
[…]Como podemos observar, o Poder Judiciário tem por função típica a jurisdicional, inerente a sua natureza […]. Podemos conceituar a jurisdição como “uma das funções do estado, mediante a qual este se substitui aos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça. Lenza, Pedro – Direito constitucional Esquematizado – 16ª ed – pg.689.
Pois bem, posto o que se entende por jurisdição, devemos avançar e dizer que, por questão de conveniência, e não apenas por isto, mas sim pelo pacto federativo, o que se verá mais adiante, a jurisdição é dividida em setores/órgãos.
Distribuem-se as causa pelos vários órgãos jurisdicionados, conforme as suas atribuições, que têm seus limites definidos na Constituição Federal e nas Leis. Chegando à seara da competência, esta é exatamente o resultado da distribuição da jurisdição em vários órgãos com capacidade de julgar, dizer o direito, e assim, exercer a jurisdição nos limites estabelecidos.
Sabendo então que a competência é uma fração da jurisdição, e que aquela, é distribuída pela Constituição Federal e Leis infraconstitucionais, chegamos à questão do juiz natural, que é uma garantia do devido processo legal.
O princípio do juiz natural não é previsto de forma explícita na Constituição Federal, mas deriva de duas normas constitucionais, quais sejam: 1ª: a que proíbe juízo ou tribunal de exceção; e 2ª: a que determina que ninguém será processado senão pela autoridade competente (incisos XXXVII e LIII do art. 5º da CF/88).
Desta forma, a jurisdição só pode ser exercida por quem tenha sido regularmente investido nas funções de juiz – juiz natural. E juiz natural é aquele competente para julgar a causa de acordo com as regras gerais e abstratas previamente estabelecidas – conceito formal, não adentraremos no conceito substancial de juiz natural.
Nesta toada, com as premissas supra expostas, podemos afirmar que o art. 1.030, §2º, do CPC/2015 é inconstitucional, pois, fere a competência estabelecida pela Constituição Federal ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), de julgar, respectivamente, o recurso extraordinário e o recurso especial, (art. 102, III e art. 105, III, da Constituição Federal/88).
Além de ser inconstitucional por ferir a competência estabelecida na CF/88, por arrastamento, é óbvio, que também é inconstitucional por ferir a jurisdição e o princípio do juiz natural. E por fim, é inconstitucional por ferir o próprio pacto federativo, matéria que será vista mais adiante.
A partir de agora faremos uma análise específica ao artigo de lei tido como inconstitucional, a saber, art. 1.030, §2º, do CPC. Vejamos o que diz na íntegra o artigo retro citado:
Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá:
I – negar seguimento:
- a) a recurso extraordinário que discuta questão constitucional à qual o Supremo Tribunal Federal não tenha reconhecido a existência de repercussão geral ou a recurso extraordinário interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado no regime de repercussão geral;
- b) a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de julgamento de recursos repetitivos;
II – encaminhar o processo ao órgão julgador para realização do juízo de retratação, se o acórdão recorrido divergir do entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça exarado, conforme o caso, nos regimes de repercussão geral ou de recursos repetitivos;
III – sobrestar o recurso que versar sobre controvérsia de caráter repetitivo ainda não decidida pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se trate de matéria constitucional ou infraconstitucional;
IV – selecionar o recurso como representativo de controvérsia constitucional ou infraconstitucional, nos termos do § 6º do art. 1.036;
V – realizar o juízo de admissibilidade e, se positivo, remeter o feito ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, desde que:
- a) o recurso ainda não tenha sido submetido ao regime de repercussão geral ou de julgamento de recursos repetitivos;
- b) o recurso tenha sido selecionado como representativo da controvérsia; ou
- c) o tribunal recorrido tenha refutado o juízo de retratação.
De início, chama-se a atenção ao fato de que o § 2º, do art. 1.030, dizer que da decisão proferida com fundamento nos incisos I e III, isto é, a qual nega seguimento ao recurso especial ou extraordinário, caberá agravo interno, sendo este de competência do tribunal local, nos termos do art. 1.021 do Código de Processo Civil, o qual não cabe recurso, a não ser embargos de declaração.
Nesta esteira, deve-se colacionar aqui o art. 1.021 do CPC/2015, apenas para a visualização de sua normatividade. Art. 1.021 do CPC/2015:
CAPÍTULO IV
DO AGRAVO INTERNO
Art. 1.021. Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal.
- 1o Na petição de agravo interno, o recorrente impugnará especificadamente os fundamentos da decisão agravada.
- 2o O agravo será dirigido ao relator, que intimará o agravado para manifestar-se sobre o recurso no prazo de 15 (quinze) dias, ao final do qual, não havendo retratação, o relator levá-lo-á a julgamento pelo órgão colegiado, com inclusão em pauta.
- 3o É vedado ao relator limitar-se à reprodução dos fundamentos da decisão agravada para julgar improcedente o agravo interno.
- 4o Quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime, o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa.
- 5o A interposição de qualquer outro recurso está condicionada ao depósito prévio do valor da multa prevista no § 4o, à exceção da Fazenda Pública e do beneficiário de gratuidade da justiça, que farão o pagamento ao final.
Pode ser observado que em nenhum momento o art. 1021 do CPC/2015, acima colacionado diz que o recurso de agravo interno irá subir ao tribunal superior; e apenas para facilitar a visualização da inconstitucionalidade, deixo de tecer considerações ao recurso de agravo interno, para fazer a posteriore.
Pois, de plano chamo a atenção para o § 1º, do mesmo art. 1.030, do CPC/2015, que diz que da decisão de inadmissibilidade do recurso especial ou extraordinário proferida com fundamento no inciso V caberá agravo ao tribunal superior, nos termos do art. 1.042. Vejamos o artigo de lei retro citado:
Art. 1.042. Cabe agravo contra decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal recorrido que inadmitir recurso extraordinário ou recurso especial, salvo quando fundada na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos.
- 4o Após o prazo de resposta, não havendo retratação, o agravo será remetido ao tribunal superior competente.
Vejam que, enquanto o § 2º, do art. 1.030 diz que da decisão do relator que negar seguimento ao recurso especial ou recurso extraordinário cabe agravo interno para o próprio tribunal local (remetendo ao art. 1.021), o § 1º do mesmo art. 1.030 diz que cabe agravo ao tribunal superior (remetendo ao art. 1.042).
De plano, resta configurada a inconstitucionalidade do § 2º, do art. 1.030 do CPC/2015, pois, confere competência ao tribunal local para julgar recurso especial e a recurso extraordinário, infringindo a Carta da República em seus arts. 102, III e 105, III.
Confiramos a situação de nosso caso em tela: se houver negativa de seguimento ao recurso especial ou ao extraordinário, devido a julgamento de causa repetitiva ou de repercussão geral, cabe agravo interno; se não for nestes casos cabe agravo ao tribunal superior respectivo basicamente.
Então, desta forma, ao interpor um recurso especial, por exemplo, e o relator negar seguimento com fundamento no inciso I alínea “b”, do art. 1.030 do CPC, caberá, segundo a lei, agravo interno, que é julgado pelo Tribunal de Justiça local.
E já que a decisão do relator nega seguimento por entender que o mérito da causa já foi julgado em recurso repetitivo, o que fazer no agravo interno, se não fazer a distinção ou distinguishing. E o que é esta distinção ou distinguishing.
Vejamos o que diz o renomado doutrinador Fredier Didier Junior:
DISTINGUISHING: Confrontar, em que medida o seu caso se assemelha ou não com o caso do precedente. Todo precedente judicial só pode ser aplicado após o distinguishing. É um método de comparação ou confronto entre o caso e o precedente. O distinguishing é absolutamente indispensável na aplicação dos precedentes, posto que a aplicação do precedente não é automática é necessário interpretá-la. A eficácia do precedente é erga omnes, qualquer um pode se valer do precedente, diferentemente da coisa julgada que só vincula as partes.
Fazer a distinção ou distinguishing de maneira bem simplória é demonstrar que o seu caso concreto não se amolda completamente ao caso precedente, isto é, deverá ser feito a distinção do caso precedente com o caso concreto, em sede de agravo interno, que é de competência do próprio tribunal local, desta feita, quem ira julgar o recurso especial ou extraordinário é a própria Câmara do tribunal local.
Com efeito, se em sede de agravo interno o recorrente relata que sua tese jurídica é diferente do caso paradigma, e o tribunal local julga improcedente o pedido do recorrente estará julgando o recurso especial e o extraordinário, pois desta forma, o recurso nem mesmo seguirá para os Tribunais Superiores competentes para julgar a matéria.
Não pode o tribunal local reter o recurso especial e o extraordinário, julgando procedente ou improcedente o recurso de agravo interno, pois, quem é competente para julgar o recurso especial e extraordinário, é, respectivamente, o STJ e STF.
Agindo desta forma, o tribunal afronta, na verdade a lei, afronta a Constituição Federal, arts. 102, III e 105, III, os quais, determinam que os recursos extraordinário e o recurso especial devem ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de justiça.
Vejamos os artigos citados da Carta da República:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:
- a) contrariar dispositivo desta Constituição;
- b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
- c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.
- d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
- a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
- b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;
- c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
Apenas por mania de clareza daremos um exemplo de distinção citado por Marcelo de Souza:
“Em Bridges v. Hawkesworth [1985] LJ 21QB 75, a um consumidor foi reconhecido o Direito de guardar o dinheiro que ele encontrou no chão de uma loja. Diferentemente, em South Staffordhire Water Company v. Sharwood [1986] 2 QB 44, a uma pessoa que encontrou dois anéis de ouro na lama do fundo de um reservatório de água não foi reconhecido o direito de retê-los, porque o lugar em que os achou não estava aberto ao público”.
Neste caso concreto visto acima, pegando ele como exemplo, se o relator negar o recurso especial ou extraordinário alegando que já existe precedente, seja em sede de repercussão geral, quer seja por recurso repetitivo, deveremos utilizar o recurso de agravo interno, como comanda o art. 1.030, §2º, do CPC/2015, efetuando a distinção.
Isto é, relatar a Câmara que meu caso concreto é diferente do paradigma, e desta forma, deve ser julgado procedente. Alegando para tanto que devemos ficar com os anéis de ouro achados, pois são casos diferentes.
Vejam, se o tribunal local decidir que não temos direito aos anéis, decidindo que o caso não tem distinção, estará negando o bem da vida, e julgando o recurso especial/extraordinário, não dando seguimento aos Tribunais Superiores dos recursos retrocitados, e desta forma, julgando os mesmos.
Não restam dúvidas quanto à inconstitucionalidade do art. 1.030, §2º, do CPC/2015, haja vista que, deixa nas mãos do tribunal local a decisão de recurso especial e de recurso extraordinário. Afrontando assim, a competência constitucional do STJ e STF, estabelecida pela Constituição Federal em seu art. 102, III e art. 105, III, da CF/88.
Sendo assim, este parecer conclui pela inconstitucionalidade do art. 1.030, 2º, do CPC/2015, por usurpar a jurisdição/competência do STJ e STF em julgar respectivamente, recurso especial e recurso extraordinário – afrontando assim, o art.102, III e art. 105, III, da CF/88.
Por consequência, afronta o princípio implícito do juiz natural e do devido processo legal, que é a conjunção dos (incisos XXXVII e LIII do art. 5º da CF/88), pois, proíbem juízo ou tribunal de exceção; e determina que ninguém será processado senão pela autoridade competente (incisos XXXVII e LIII do art. 5º da CF/88).
E finalmente, tal dispositivo de lei ofende ao pacto federativo – art. 1º da CF/88, pois, o Estado membro não tem competência para pacificar a jurisprudência em sede de Lei Federal ou da Constituição da República, ambos os casos, são matéria inerentes a união. Este é o parecer.
“Ad argumentandum tantum”, insta salientar que o art. 1.030 original, do CPC/2015, em seu parágrafo único, dizia que o recurso especial e o recurso extraordinário deveriam ser remetidos ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça independentemente de juízo de admissibilidade.
Contudo, ao apagar das luzes, antes mesmo do código entrar em vigência foi inserida a lei 13.256/2016, para alterar, o dispositivo aqui hora atacado, no que eu chamo de POLÍTICA ADMINISTRATIVA JUDICIÁRIA.
Haja vista que, é interessante para os Tribunais locais, que ganham mais poder, pois podem julgar em definitivo a matéria constitucional e a matéria federal em ultima ratio. E por fim, é muito bom para os Tribunais Superiores que não vão mais ter que julgar infinitos processos, o que significa menos trabalho.
Vitória, 02 de junho de 2016.
ALEXANDRE GOMES QUEIROZ
OAB-ES Nº 17.462